terça-feira, 24 de março de 2009

Relatório da visita de estudo (um pouco atrasado...)

No dia 19 de Fevereiro pelas 15horas juntou-se uma multidão na rua da Betesga. Era o 12ºA numa visita de estudo, mas não uma qualquer, era "a" visita de estudo à Lisboa Pessoana.
Como já disse, começámos pela rua da Betesga apresentando a Firma "Lima Mayer & Perfeito de Magalhães" onde trabalhou Pessoa.
Seguimos para o Rossio onde falámos sobre o café "Áurea Peninsular" (no qual entrámos para dar uma espreitadela a um quadro sobre Pessoa), visitámos a tabacaria Mónaco (esta ficou-me marcada na memória devido ao seu dislumbrante teto), passámos pelo sítio do antigo café "A Brasileira" (cujo lote se encontra actualmente ocupado para outros fins) e fomos até à Estação do Rossio.
Logo ali pertinho, na praça D João da Câmara, entrámos no restaurante "Leão d'Ouro" cujo tinha uma réplica de um quadro alusivo a Pessoa, ao conjunto Orpheu.
Subimos até ao Chiado e seguimos até lá acima até ao Convento do Carmo onde fomos dar à parte superior do elevador de Santa Justa (digo, desde já, que tem uma vista lindíssima lá de cima).
A partir de aqui já estava completamente estafada e já não ouvia (quase) nada do que os professores diziam e do que os meus colegas apresentavam.
Seguimos depois para o Largo Camões onde falámos sobre a actual "A Brasileira", o famoso café onde Pessoa parava muitas vezes. Este até tem uma estátua em sua homenagem, Pessoa sentado a escrever. De seguida fizémos uma pausa (mas sem Kit-kat... estava a brincar) nas escadas da Igreja dos Mártires, onde Pessoa foi baptizado (a pia baptismal ainda lá reside).
Entretanto no Largo de São Carlos decidimos cortar caminho pois não daria tempo de ver tudo. Fomos até à Faculdade de Belas Artes e descemos até à rua da Assunção para depois "desaguarmos" na Praça do Comércio. Lá, visitámos um restaurante que Pessoa frequentava várias vezes (cujo nome não me recordo) e que tem, ainda, a mesa onde Pessoa almoçava/jantava. Tem, em toda a extensão de parede, um vasto reportório de quadros e recortes de jornal sobre Pessoa.
Fomos também a uma galeria (também já não me recordo bem) algures nas arcadas.
Prosseguimos pela rua do Ouro e fomos falando de algumas firmas que ali houveram onde Fernando Pessoa trabalhou. Parámos junto da rua dos Fanqueiros para algumas apresentações finais.
Entretanto, como já era de noite, estavamos todos a pender para o sono e cansados. Fomos para casa.

sábado, 7 de março de 2009

O ciclo da água



A água, tal como todos os elementos, vai, e volta.
Não sei bem como começar, se pela chuva, se pelo mar. É como a tal história: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?
Mas, como todas as histórias têm um princípio, vou começar por onde achar mais conveniente, pelo mar...
Era uma vez, uma grande família de pequenas gotinhas de água que viviam num mar qualquer. Viviam em constante viagem, e, de vez em quando, desencontravam-se umas das outras! Um dia, numa mudança, subiram em forma de minúsculas gotículas de água até ao céu (a condensação), formando grandes e extensos aglomerados de minúsculas gotículas de água, formando, assim, as nuvens. Estas, com a ajuda do elemento ar, deslocam-se, umas vezes em grandes distâncias, outras apenas em pequenas distâncias. Quando isso acontece, a família das gotinhas volta a formar-se em pequenas gotinhas de água e cai até à terra, sob a forma de chuva, granizo ou neve. Aí espalha-se, perde-se pelos mais ínfimos buraquinhos no solo. Algumas infiltram-se na terra, outras, entram pelas sargetas adentro e caem pelos canos de esgoto. As da terra, vão dar aos lençóis de água onde se encontram mais familiares (na minha opinião o segundo lugar onde a água é menos poluída), que por sua vez desaguam num rio ou no mar. As do cano de esgoto, vão dar a E.T.A.R.'s, levam um banho de químicos, são tratadas e, por fim, são novamente libertas para um rio ou mar. Aí, podem, então, recomeçar o seu ciclo...
E é assim o ciclo da água, um tanto igual ou diferente a outros ciclos da vida...

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê tudo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a tua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis - Heterónimo

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Lágrimas

Lágrimas que tenho chorado a vida inteira,
Às vezes na emoção da alegria incontida,
Lágrimas que jorram da alma incompreendida
Daqueles que têm a dor por companheira.

Lágrimas que tanto marcam as nossas vidas...
Lágrimas de felicidade ou de dor pungente...
Quantas vezes derramei o pranto ardente
Na dor dos adeuses na hora das despedidas.

Lágrimas que lavam a alma de quem chora,
Lágrimas que em minha dor derramo agora,
Oh! Quem dera estas fossem as derradeiras...

Feliz aquele que a sua lágrima derrama...
A lágrima é o símbolo da redenção humana,
Jesus também chorou no Horto das Oliveiras...

lágrimas - poesia oculta


Sempre tive medo
De me perguntar
Se a vida era só
Uma lágrima
Uma lágrima que molha o papel
Ou somente uma nuvem que some no céu

Então a resposta veio
Sem eu perguntar
Em seus olhos eu vi um brilho
Eu parecia me chamar

E dizia com uma voz doce
Que tudo isso um dia vai passar
Mas então um dia
Esse brilho desapareceu
E junto com ele
Também se foi o brilho meu
E até hoje
Não consigo aceitar
Que a rosa mais bonita
Não quer me perfumar
Tudo porquê você achou
Que podia me amar
E na mesma noite
Me abandonar
Você sabe que o seu sorriso
Pode me hipnotizar
E fazer de mim o que bem pensar...

Paisagem de Chuva

Toda a noite, e pelas horas fora, o chiar da chuva baixou. Toda a noite, comigo entredesperto, a monotonia líquida me insistiu nos vidros. Ora um rasgo de vento, em ar mais alto, açoitava, e a água ondeava de som e passava mãos rápidas pela vidraça; ora com som surdo só fazia sono no exterior morto. A minha alma era a mesma de sempre, entre lençóis como entre gente, dolorosamente consciente do mundo. Tardava o dia como a felicidade - àquela hora parecia que também indefinidamente.Se o dia e a felicidade nunca viessem! Se esperar, ao menos, pudesse nem sequer ter a desilusão de conseguir.O som casual de um carro tardo, áspero a saltar nas pedras, crescia do fundo da rua, estralejou por debaixo da vidraça, apagava-se para o fundo da rua, para o fundo do vago sono que eu não conseguia de todo. Batia de quando em quando, uma porta de escada. Às vezes havia um chapinhar líquido de passos, um roçar por si mesmos de vestes molhadas. Uma ou outra vez, quando os passos eram mais, soava alto e atacavam. Depois, o silêncio volvia, com os passos que se apagavam, e a chuva continuava, inumeravelmente. Nas paredes escuramente visiveis do meu quarto, se eu abria os olhos do sono falso, boiavam fragmentos de sonhos por fazer, vagas luzes, riscos pretos, coisas de nada que trepavam e desciam. Os móveis, maiores do que de dia, manchavam vagamente o absurdo da treva. A porta era indicada por qualquer coisa nem mais branca, nem mais preta do que a noite, mas diferente. Quanto á janela, eu só a ouvia. Nova, fluida, incerta, a chuva soava. Os momentos tardavam ao som dela. A solidão da minha alma alargava-se, alastrava, invadia o que eu sentia, o que eu queria, o que ia sonhar. Os objectos vagos, participantes, na sombra, da minha insónia, passam a ter lugar e dor na minha desolação.

Bernardo Soares - Heterónimo

Bernardo Soares - o 4º heterónimo

Tinha 30 anos, alto, curvado ao se sentar, algum desleixo no vestir. Cara pálida, com sofrimento diluido. Era ajudante de guarda-livros em Lisboa e frequentava os restaurantes da Baixa, nas sobrelojas, onde encontrou Pessoa falando-lhe da sua admiração pela revista Orpheu. Fumava. Tinha um especial interesse em observar aqueles que o rodeavam. Levava uma vida suave, de afastamento, de entrega ao sonho. O Livro do Desassosego, não é dele, mas é ele próprio.

De Prefácio, O Livro do Desassossego

Chuva Oblíqua - I

Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...

O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado...
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...

Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro...

Não sei quem me sonho...
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvores, estrada a arder em aquele porto.
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma...

Chuva Oblíqua - II

Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça...

Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso.
E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro...

O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes
Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar...
Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça
E sente-se chiar a água no facto de haver coro...

A missa é um automóvel que passa
Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste...
Súbito vento sacode em esplendor maior
A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo
Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe
Com o som de rodas de automóvel...

E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa...

Chuva Oblíqua - III

A Grande Esfinge do Egipto sonha por este papel dentro...
Escrevo – e ela aparece-me através da minha mão transparente
E ao canto do papel erguem-se as pirâmides...
Escrevo – perturbo-me de ver o bico da minha pena
Ser o perfil do rei Cheops.
De repente paro...
Escureceu tudo... Caio por um abismo feito de tempo...
Estou soterrado sob as pirâmides a escrever versos à luz clara deste candeeiro
E todo o Egipto me esmaga de alto através dos traços que faço com a pena...

Ouço a Esfinge rir por dentro

O Som da minha pena a correr no papel...
Atravessa o eu não poder vê-la uma mão enorme,
Varre tudo para o canto do tecto que fica por detrás de mim,
E sobre o papel onde escrevo, entre ele e a pena que escreve
Jaz o cadáver do rei Cheops, olhando-me com olhos muito abertos,
E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo
E uma alegria de barcos embandeirados erra
Numa diagonal difusa
Entre mim e o que eu penso...

Chuva Olbíqua - IV

Que pandeiretas o silêncio deste quarto!..
As paredes estão na Andaluzia
E há danças sensuais no brilho fixo da luz...

De repente todo o espaço pára...
Pára, escorrega, desembrulha-se...,
E num canto do tecto, muito mais longe do que ele está,
Abrem mãos brancas janelas secretas
E há ramos de violetas caindo
De haver uma noite de Primavera lá fora
Sobre o eu estar de olhos fechados...

Chuva Oblíqua - V

Lá fora vai um redemoinho de sol os cavalos do carrossel
Árvores, pedras, montes, bailam parados dentro de mim...
Noite absoluta na feira iluminada, luar no dia de sol lá fora,
E as luzes todas da feira fazem ruído dos muros do quintal...
Ranchos de raparigas de bilha à cabeça
Que passam lá fora cheias de estar sob o sol,
Cruzam-se com grandes grupos peganhentos de gente que anda na feira,
Gente toda misturada com as luzes das barracas, com a noite e com o luar,
E os dois grupos encontram-se e penetram-se
Até formarem só um que é os dois...
A feira e as luzes da feira e a gente que anda na feira,
E a noite que pega na feira e a levanta no ar,
Andam por cima das copas das árvores cheias de sol,
Andam visivelmente por baixo dos penedos que luzem ao sol,
Aparecem do outro lado das bilhas que as raparigas levam à cabeça,
E toda esta paisagem de Primavera é a lua sobre a feira,
E toda a feira com ruídos e luzes é o chão deste dia de sol...

De repente alguém sacode esta hora dupla como numa peneira
E, misturado, o pó das duas realidades cai
Sobre as minhas mãos cheias de desenhos de portos
Com grandes naus que se vão e não pensam em voltar...
Pó de ouro branco e negro sobre os meus dedos...
As minhas mãos são os passos daquela rapariga que abandona a feira,
Sozinha e contente como o dia de hoje...

Chuva Oblíqua - VI




















O maestro sacode a batuta,
E lânguida e triste a música rompe...
Lembra-me a minha infância, aquele dia
Em que eu brincava ao pé dum muro de quintal,
Atirando-lhe com uma bola que tinha dum lado
O deslizar de um cão verde, e do outro lado
Um cavalo azul a correr com um jockey amarelo...

Prossegue a música, e eis na minha infância
De repente entre mim e o maestro, muro branco,
Vai e vem a bola, ora um cão verde,
Ora um cavalo azul com um jockey amarelo...

Todo o teatro é o meu quintal, a minha infância
Está em todos os lugares, e a bola vem a tocar música
Uma música triste e vaga que passeia no meu quintal
Vestida de cão verde, tornando-se jockey amarelo...
(Tão rápida gira a bola entre mim e os músicos...)

Atiro-a de encontro à minha infância e ela
Atravessa e o teatro todo que está aos meus pés
A brincar com um jockey amarelo e um cão verde
E um cavalo azul que aparece por cima do muro
Do meu quintal... E a música atira com bolas
À minha infância... E o muro do quintal é feito de gestos
De batuta e rotações confusas de cães verdes
E cavalos azuis e jockeys amarelos...
Todo o teatro é um muro branco de música
Por onde um cão verde corre atrás da minha saudade
Da minha infância, cavalo azul com um jockey amarelo...

E dum lado para o outro, da direita para a esquerda,
Donde há árvores e entre os ramos ao pé da copa
Com orquestras a tocar música,
Para onde há filas de bolas na loja onde a comprei
E o homem da loja sorri entre as memórias da minha infância...

E a música cessa como um muro que desaba,
A bola rola pelo despenhadeiro dos meus sonhos interrompidos,
E do alto dum cavalo azul, o maestro, jockey amarelo tornando-se
Agradece, pousando a batuta em cima da fuga dum muro,
E curva-se, sorrindo, com uma bola branca em cima da cabeça,
Bola branca que lhe desaparece pelas costas abaixo...

Fernando Pessoa

A Água Desce a Ladeira


A água da chuva desce a ladeira.
É uma água ansiosa.
Faz lagos e rios pequenos, e cheira
A terra a ditosa.

Há muitos que contam a dor e o pranto
De o amor os não qu'rer...
Mas eu, que também não os tenho, o que canto
É outra coisa qualquer.


Fernando Pessoa (http://www.pensador.info/)

domingo, 8 de fevereiro de 2009

"Os 3 (+1) da vida airada"


Apesar de Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis serem pessoas bastante distintas, têm algo em comum: o seu "criador".
Alberto Caeiro (o Mestre tranquilo da sensação) nasceu em Lisboa, em 1889, e viveu no campo, morrendo em 1915. Tinha estatura média. Autor d'"O Guardador de Rebanhos", este heterónimo foi o riador do sensacionismo, recusa a introspecção e a subjectividade, identifica-se com a Natureza, é-lhe indiferente o passado e o futuro, é lírico, instintivo, ingénuo, inculto...
Álvaro de Campos (o filho indisciplinado da sensação) nasceu em Tavira, em 1890, formou-se em Glasgow entre outros feitos e não se sabe a data da sua morte. Tinha 1,75m de altura e um pouco tendente a curvar-se. A sua obra distingue-se em três fases: 1ª - decadentista; 2ª - entusiasta/futurista; 3ª - intimista. Sensacionista, conhecendo Caeiro como Mestre, fuga da recordação, fragmentação do eu, cepticismo, ironia, modernista, predomínio da emoção espontânea e torrencial...
Ricardo Reis (o poeta da autodisciplina) nasceu no Porto, em 1887, exercia medicina no Brasil e não se sabe a data da sua morte. Era um pouco mais baixo que Caeiro, mais forte e mais seco. Discíplo de Caeiro, faz dos gregos o modelo da sabedoria, reflecte sobre o fluir do tempo, faz o elogio do epicurismo e do estoicismo, tem medo da velhice e da morte...

Recentemente descobri mais um heterónimo para além destes três... Chama-se Bernardo Soares... É considerado um semi-heterónimo porque, como o seu próprio criador explica "não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade."

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

o valor das coisas


Ode marítima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho prò lado da barra, olho prò Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos detrás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.Mas a minh'alma está com o que vejo menos.
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente.

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Trazem memórias de cais afastados e doutros momentos
Doutro modo da mesma humanidade noutros pontos.
Todo o atracar, todo o largar de navio,
É - sinto-o em mim como o meu sangue -
Inconscientemente simbólico, terrivelmente
Ameaçador de significações metafísicas
Que perturbam em mim quem eu fui...

Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve com uma recordação duma outra pessoa
Que fosse misteriosamente minha.
Álvaro de Campos - Heterónimo

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Entretanto...

... mais um mês se passou! Não sei bem o que escrever. Talvez escrevesse sobre o que me vai cá dentro, ou mesmo sobre o tempo... Mas não... Isso são coisas banais, que não interessam a nunguém.
Vou escrever, então sobre Português. Sim, acho que é uma boa opção!
Ainda não tive testes, nem os quero. Temos lido "Exercícios de Estilo", diga-se de passagem bastante divertidos/aborrecidos! Divertidos porque contam o mesmo episódio de vários pontos de vista e com diversos temas; Aborrecidos porque fala-se sempre da mesma coisa! Mas não, também não é sobre os "Exercícios de Estilo" que vou falar!
Ah! Já sei! Vou falar sobre Fernando Pessoa e seus heterónimos!

Tenho gostado bastante da poesia de Pessoa, pessoalmente dos poemas que pus no meu blog.
Penso que tem corrido bem esta primeira fase tem corrido bem. Apesar da indecisão acerca do elemento sobre o qual iria trabalhar, o restante trabalho tem fluido.
Não é pelo facto de Pessoa falar muito da água, mas acho que tenho conseguido atingir os meus objectivos neste blog.

Veremos como correrá a próxima temporada!

sábado, 31 de janeiro de 2009

o espelho dos pensamentos

Bóiam leves, desatentos,
Meus pensamentos de mágoa,
Como, no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.

Bóiam como folhas mortas
À tona de águas paradas.
São coisas vestindo nadas,
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas.

Sono de ser, sem remédio,
Vestígio do que não foi,
Leve mágoa, breve tédio,
Não sei se pára, se flui;
Não sei se existe ou se dói.







Tudo que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço -

Um mar onde bóiam lentos
Fragmentos de um mar de além...
Vontades ou pensamentos?
Não o sei e sei-o bem.

Fernando Pessoa - Ortónimo

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

a dor de pensar - a solidão de ser


Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.

Se existo é um erro eu saber. Se acordo
Parece que erro. Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.

Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme inconsciente de alheios corações.
Coração de ninguém.



Fernando Pessoa - Ortónimo

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Tu, só tu...

... me prendes à janela para te ver cair. Uma queda triunfal. Vens de longe, muito longe, e chegas aqui, ao pé de mim.
Não sei de onde vens nem onde pára essa tua viagem. Só sei que és tu.
És linda, como tantas outras que viajam a teu lado, contigo. Sim, porque tens muitas amigas.
Vens de lá e vens para cá, para depois voltares ao ponto de partida, como sempre.
Vens, alegre e contente... Umas vezes és oblíqua, outras vertical, outras, ainda, de perfil.
Adorava fazer essa tua viagem, a teu lado.

Sonho, e sonho, e sonho...

"Mariana!"

Ai!! A mãe está a chamar-me, tenho de ir...

Mas não sem antes dizer que adorava ser como tu, para vir lá do alto, e cair aqui, assim, num charco ou simplesmente num pedaço de chão.

Tu, só tu, pequenina gota de chuva...

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Finalmente!!

Finalmente decidi-me sobre qual dos quatro elementos vou trabalhar.
E, como já devem ter reparado, vou trabalhar sobre a água.
Dos quatro é o que mais gosto, como referi anteriormente, apesar de não ser o único que me fascina.
Ainda não pensei muito sobre o que liga Fernando Pessoa à água, mas a seu tempo descobrirei.

Gosto da água porque...

Gosto da água porque me mata a sede...
Gosto da água porque sem ela não viveria...
Gosto da água porque gosto do mar...
Gosto da água porque gosto de nadar...
Gosto da água porque gosto das ondas...
Gosto da água porque me refresca em dias quentes...
Gosto da água porque me aquece em dias frios...
Gosto da água porque não tem cor alguma e tem todas as cores do mundo...
Gosto da água porque reflecte aquilo que não vemos...
Gosto da água porque é um meio ambiente...
Gosto da água porque sou do signo aquário (seu elemento é ar, mas tem mais a ver com a água)...
Gosto da água porque me faz levitar...
Gosto da água porque molha o meu cabelo...
Gosto da água porque lava as minhas mãos...
Gosto da água porque põe as flores bonitas...
...

Gosto da água simplesmente porque gosto...

domingo, 11 de janeiro de 2009

Quadras soltas

É bom dormir e sonhar,
Sonhar, adoça o viver;
Pena é qu'o despertar,
Nos faça sempre sofrer.

Que pena o tempo passar
Em cadência galopante
Sem que possamos amar,
Toda a vida, em cada instante,


Maria José Guerreiro Pinheiro, in No Jardim do Pensamento

Quadras soltas

Inda agora o sol nascia,
E já é noite cerrada...
Assim passa o dia a dia,
Esta vida não é nada!

Coração comanda a vida,
Ao nascer e ao morrer;
Com a primeira batida,
E a última que tiver.

Nem todos vivem com sorte
P'ra querer cantar a vida,
Por isso pensam na morte,
Que não lhes nega guarida.

Palavras melodiosas,
Sem verdade nem suporte,
São só letras ardilosas,
Frias como o vento norte!


Maria José Guerreiro Pinheiro, in No Jardim do Pensamento

O regresso!

As férias acabaram e é tempo de voltar a entalar a cabeça entre os livros de Português e História da Cultura e das Artes, pôr a mãozinha a mexer em Projecto e Desenho,... Mas não é para mostrar o meu descontentamento devido às curtas férias que escrevo aqui, no meu blog.
É, sim, para mostrar a minha não decisão acerca do elemento sobre o qual vou escrever neste meu blog. De momento apenas posso manifestar a minha "alegria" por estar a estudar Pessoa e seus heterónimos, pois é um escritor que aprecio.

Neste momento apenas sei que o tempo passa suficientemente devagar para me pôr a contar os minutos e os segundos que faltam...